Se minha dieta cultural possui pratos principais, o das últimas semanas com certeza foi a minissérie The Underground Railroad (Prime Video), um épico do diretor Barry Jenkins — o diretor de Sob a Luz do Luar e Se A Rua Beale Falasse. Com dez episódios, que vão de 20 a 70 minutos, a minissérie conta a jornada de Cora, que foge de foge de uma plantação do sul dos Estados Unidos por uma rota subterrânea. As linhas de fuga de escravos do sul dos EUA é real, mas na minissérie o “trilho subterrâneo” é uma via férrea, com paradas e maquinistas. A cada parada, Cora nos leva a um novo ponto dos EUA, e a série nos mostra como escravidão não é passado nem cicatriz.
É uma minissérie monumental, e alguns episódios são especialmente difíceis de assistir (se você conseguir assistir o primeiro, que é de longe o mais violento, vai ter passado pelo pior), mas diferente de outras narrativas sobre a escravidão americana, Jenkins não filma os escravos como criaturas submissas à violência, mas como seres humanos que vivem, amam, sofrem. Como Small Axe no ano passado, essa é um clássico instantâneo. Nunca foi feito algo como The Underground Railroad, e eu não sei se um dia algo assim vai ser feito novamente.
De resto, eu continuo avançando pouco à pouco em Paper Mario (N64, no Virtual Console do Wii). Eu amo o texto desse jogo — é divertidíssimo e cheio de segundas intenções. A Nintendo não faz mais tantos jogos palavreados como esse, mas é bom ver a equipe do Treehouse em ação.
Eu estou no meio da quinta temporada de The Americans (Prime Video), e todas as minhas lembranças de que essa é uma temporada menor são mentira. Ela realmente parou de crescer (a escadinha de qualidade e tensão da segunda à quarta temporada são inigualáveis na TV pra mim), mas atingiu um patamar incrível em que a narrativa se estende: a tensão é tão insuportável que os protagonistas sofrem de viver dentro dela. É realmente incrível.
Além de The Americans, eu continuo assistindo a segunda temporada de Barry e a minissérie Mare of Easttown (ambas da HBO), que são excelentes.
Eu aproveitei pra rever a Trilogia Matrix (em blu-ray, mas está disponível no Netflix). A minha lembrança era de que o primeiro filme era muito bom, e os outros dois eram uma bobagem. Eu estava completamente enganado. O primeiro filme é incrível, mas Matrix Reloaded e Matrix Revolutions são igualmente fantásticos, e são pequenos milagres no cinema blockbuster americano que realmente fazem a mensagem — de que amor e união são as únicas coisas capazes de vencer a destruição e o cinismo sistêmico da sociedade — ressoar.
São excelentes filmes de ação, mas também são grandes filmes queer sobre a experiência trans, em que as pessoas assumem suas verdadeiras identidades no mundo virtual, e o confronto existencial quando elas decidem assumir essas identidades fora dele, tanto interno quanto externo. O primeiro Matrix é um clássico por trazer essa questão existencial tão forte no personagem Neo, mas são suas continuações que sugerem que para vivermos em uma comunidade é necessário uma revolução contra o sistema. É incrível.