Antes de mais nada, os valores da primeira coluna são a parte do lucro líquido da empresa Riachuelo, já descontado dos impostos que cabem a qualquer empresa, que foram distribuídos para os sócios em 2018. O valor em cada linha representa a parte desse lucro que é paga como dividendos para cada um dos acionistas da empresa de acordo com a quantia de ações que possuem, destaquei apenas os Rocha por serem os acionistas majoritários.
Na segunda eu usei uma simulação bem conservadora baseada no que disse essa semana o relator do projeto de lei na Câmara (10% a menos de imposto de renda para a empresa e 20% de imposto para as pessoas físicas que recebem o lucro) e, fazendo uma aproximação grosseira (o que receberam em 2018 sem esse imposto para a pessoa física menos o que receberiam caso a lei já estivesse em vigor), cheguei no valor que a família Rocha pagaria ao Governo.
De fato, os números surpreendem, cada um deles “perderia” no ano para o Fisco mais de 160 mil, a renda anual de um monte de famílias somadas.
Mas, de novo, isso é injusto?
Digamos que cada membro da família Rocha fosse um trabalhador muito bem pago e o valor recebido como dividendos fosse, na verdade, um salário, como o de qualquer trabalhador. Ou que fossem proprietários de vários imóveis e o valor total dos aluguéis recebidos em um ano fosse igual ao que receberam de dividendos.
Quanto de Imposto de Renda, uma pessoa física normal pagaria com essa renda? A resposta é a última coluna.
Ou seja, mesmo alterando a lei para que pessoas como os Rocha paguem algum imposto, eles ainda pagariam bem menos que a metade do que qualquer trabalhador comum.
E veja, essa é uma simulação bem grosseira, baseada em parâmetros atuais ainda não aprovados. Com certeza a lei final será bem mais generosa com os Rochas.
O meu ponto aqui é que: mesmo chutando alto, a reforma do “camarada” Guedes passa bem longe de equilibrar o jogo.
Cobrar impostos sobre dividendos não é aumentar a carga tributárias das empresas é, na verdade, corrigir uma injustiça que faz com que o sócio de uma empresa pague, como pessoa física, menos da metade do imposto pago pelo seu funcionário.
A mudança visa, simplesmente, fazer com que pessoas como os Rochas passem a pagar, pelo menos, algum Imposto sobre a Renda que recebem.
Mas, qualquer tentativa de tirar privilégios de famílias que levam vidas tão duras gera uma grande comoção.
Qual a defesa deles?
Simples, usando uma boa falácia argumentativa, soma-se o imposto do sócio como Pessoa Física com os demais impostos já pagos pela empresa e chega-se a uma taxa total astronômica.
Qual o erro desse argumento?
A divulgação dessa ideia é extremamente desonesta, porque, se você fizer uma analise técnica da proposta é evidente que o imposto cobrado da empresa reduz e passa-se a cobrar o imposto das pessoas físicas pela renda que recebem. Essa opção de entender a pessoa física do sócio como uma extensão da empresa vai contra, justamente, o conceito da empresa, afinal, quando a empresa vai a falência, os credores não pode tomar o patrimônio pessoal do sócio pois são entes jurídicos distintos.
Além disso os demais impostos “pagos” pelas empresas, na verdade, são repassados indiretamente para o consumidor (o mesmo consumidor que já paga imposto sobre a renda do próprio trabalho, diferente dos acionistas). Isso fica claro naquele “Dia Livre de Impostos” em que, didaticamente, as empresas nos mostram quanto custaria o que consumimos caso não repassassem a carga tributária no preço final.
Mas, daí, você, que é muito esperto, poderia dizer que basta aumentar preço final para que o lucro dos sócios seja maior e o valor compense esse imposto que terão que pagar como pessoa física.
Eis o pulo do gato. Em uma empresa que existam alguns poucos acionistas controlando majoritariamente as decisões, isso é simples. Aumenta o preço final e pronto. Mas, hoje, as grandes empresas não respondem exclusivamente aos interesses de poucas pessoas físicas que terão que pagar um pouco de imposto. Essas empresas têm fundos de ações as controlando e esses fundos podem achar que aumentar o preço para subir uma fração de centavos nos dividendos pode lhes custar espaço de mercado. Vale lembrar que o jogo de “ninguém solta a mão de ninguém” só funciona quando todos topam aumentar o preço juntos ou, o livre mercado faz sua parte.
Resumindo, há esse grupo de elite no país que hoje tem um privilégio maior do que o de qualquer trabalhador, eles recebem uma renda (bem substancial em vários casos) e não pagam qualquer imposto de renda sobre ela.
O objetivo aqui não é aumentar impostos, e sim, cortar um privilégio abusivo que beneficia pessoas para quem o dinheiro abunda.