Algo que me impressionou nessas duas histórias, é que muito se chocou com esses relatos, mas pouco se falou sobre como esses casos não são exceção, ainda mais no serviço público.
Muito além de uma mera falta de reconhecimento profissional, a cultura de chefes abusivos é uma tradição no serviço público. Além de relatos de outras pessoas, só com base na experiência própria posso dizer que o nível de ofensas pelos quais já passei fazem com que chefes que “só” gritam ou que você tem que escolher o dia certo para falar com ele se classifiquem entrem os melhores que já tive.
Eu sei que você vai dizer que é só sair, só denunciar entre outras coisas, contudo essa solução que parece relativamente simples para a iniciativa privada não se aplica de forma tão direta no serviço público. Primeiro, sejamos honestos, em boa parte das carreiras, o serviço público paga mais que a iniciativa privada e oferece uma sorte de benefícios. Não estou nem falando de supersalários, pois isso é reservado a uma crosta especial do funcionalismo, no geral os que gritam e ofendem. Em funções mais de base, como um equivalente a um auxiliar administrativo que ganharia um salário mínimo, pode-se começar a carreira ganhando 3 mil ou um pouco mais. Fora isso, o vínculo entre o funcionário público e o emprego é mais forte. Você presta um concurso, passa por 3 anos de estágio probatório e, muitas vezes, se especializa em uma temática que não tem qualquer aplicação na esfera privada.
Mas isso é uma mera questão de fundo, pois o problema em última instância mora na rotatividade das chefias. Em ciclos de 2 a 4 anos, no geral, muita coisa muda no serviço público. Cada gestão é de um jeito e cada chefe, escolhido por motivos diversos pelo gestor da estação tem o seu “jeitinho próprio”. Em comum todos querem resultados, muitas vezes impossíveis, e esperam que os problemas sejam rolados para um momento que não seja mais ele a ter que mandar alguém resolver.
Isso gera um cenário perfeito em que o chefe tem uma força externa que o garante e o funcionário tem uma força interna que o faz ficar.
Ou seja a cultura do abuso tem um solo fértil para procriar no serviço público que, como diz um amigo, “é uma máquina de moer autoestima, o sujeito entra cheio de ideias, querendo mudar o mundo e, depois de uma semana, já não faz a barba e vai trabalhar com a camisa do avesso”.
Infelizmente esse tipo de ciclo de violência, se tem solução, é algo extremamente complexo; sendo que tudo tende a piorar muito com tal “reforma administrativa” que, como sempre, não mexe no 1% da cúpula, mas fragiliza a grande massa trabalhadora que faz a máquina girar. A estabilidade no serviço público existe porque quem pensou no sistema sabia que, de ciclo em ciclo, o jogo muda, quem está por cima muda, mas a máquina tem que andar independente disso.
Vale ressaltar que esse tipo de situação é séria, extensiva e não se restringe as relações trabalhistas “normais”, vide o exemplo a seguir.