Quem ganha pouco, a maioria esmagadora da população do Brasil, no caso, não tem condições de comprar uma casa, muito menos em um bairro central com uma oferta considerável de emprego, transportes e serviços. Isso faz com que as pessoas sejam empurradas para áreas periféricas, quando possível, ou até para áreas invadidas sem a menor estrutura.
Com isso mantém-se um ciclo cruel em que a pessoa mora longe do emprego (porque o emprego não paga o suficiente para uma moradia digna), passa muito tempo em um transporte público precário e tem dificuldade, quando não impossibilidade de acessar equipamentos que poderiam proporcionar uma mobilidade social (como educação e cultura públicas de qualidade).
Um parêntesis importante aqui vai para a questão do transporte. Muitas vezes ele não é lotado pela mera falta de investimento. O maior inviabilizador do transporte em cidades como São Paulo é a distribuição da cidade que expulsou os trabalhadores de baixa renda para bolsões de moradia “barata” e manteve a maior parte dos empregos em áreas centrais. Não quero me alongar nesse tema, mas, ao meu ver, todos os bairros deveriam ser mistos e ter moradia e emprego sempre, não havendo, assim, bairros “bons” e bairros “ruins”. O Haddad tentou oferecer isenção para quem levasse empresas de mão de obra extensiva (por ex. telemarkting) para a periferia, mas, infelizmente, faltou “combinar” com as empresas de infraestrutura de telecomunicação que não se interessam em melhorar a rede para oferecer internet de qualidade para regiões não centrais, o que impede que empresas de tecnologia se instalem por lá.
Isso pode parecer algo que “simplesmente aconteceu”, “uma infelicidade por causa da falta de planejamento urbano”, “algo que estamos lutando para combater”, “um processo natural”.
Sim tem um pouco de acaso, um pouco de descaso, mas tem um bom tanto de planejamento higienista.
Pessoas como os administradores de lojas como a Zara preferem perder uma venda a ter uma pessoa de baixa renda dentro da sua loja. E isso se desdobra para a vida como um todo. Os supermercados, restaurantes e os próprios moradores de determinados bairros querem garantir que a sua vizinhança se mantenha livre de qualquer um que esteja fora de padrões construídos ao longo da história como muralha das fortalezas medievais.
Podemos apertar o cerco, podemos denunciar, podemos fazer campanha para que ninguém compre em empresas toscas.
Mesmo assim, mesmo que a gente se iluda acreditando que não há pessoas que consideraram a Zara ainda mais atraente por “escolher a clientela”, porque alguém assim seria abominável demais, a realidade cai como um tijolo e o dinheiro sempre será usado como um divisor social.