Confesso que eu me divido um pouco nesse assunto. Por um lado, eu não quero ler um jornal que seja monotemático nas opiniões do seu corpo de colunistas. Sou a favor de tentar entender o argumento e a lógica de quem pensa diferente, de quem é contrário ao que eu penso. Até porque, se a maioria da população é racista, machista, homofóbica e essas condições são estruturais, acho que é preciso demonstrar a essa maioria que todos devem estar abertos ao diálogo. Como eu posso querer que a pessoa que é contra cotas ouça meu argumento a favor se me recuso sequer a publicar o raciocínio oposto dela?
Quando fechamos as portas para o contraditório, o grupo que ficou do lado de fora pensa: não preciso de vocês também, vou só ouvir esse canal que me dá espaço e que diz só o que eu concordo.
A Jovem Pan (Jovem Klan, Jovem Panzer) é um exemplo categórico. Ela começou a “abrir espaço para todos” e deu voz a quem não tinha palanque em lugar nenhum. Essas pessoas foram se aglomerando lá e até que a rádio ficasse monotemática no seu conjunto de opiniões extrema-direita/pró-governo. É claro, tem mais fatores envolvidos, tem muito dinheiro rolando, mas o fato é que aquelas pessoas que não tinham espaço formaram seus próprios espaços e se tornaram um veículo para institucionalizar o absurdo.
No exemplo da Pan, o programa Pânico é muito significativo. Dava palco tanto para o MBL quanto para a ala jovem do PSOL, mas a esquerda não quis mais dialogar e o programa foi se afunilando em uma direção até chegar a um fundo de poço em que se trata como algo razoável as teorias de terraplanistas.
E é aí que chegamos em uma encruzilhada. Existem questões que não estão abertas a debate, fatos que são incontestáveis, fundamentos científicos que não são passíveis de interpretação.
O grande dilema da era da informação é como mediar o debate de forma que se permita o pensamento contraditório, que haja espaço para o raciocínio divergente, mas sem cair no abismo da desinformação.
A proposta da Folha de que as opiniões divergentes se equilibrariam é interessante, mas tem uma falha fundamental. Mesmo se tratando de uma opinião, um veículo de mídia que se diz sério tem a obrigação de, no próprio texto, vetar informações erradas ou apontar que esse ou aquele ponto está pacificado como falso.
Se um colunista defende que a terra é plana, não basta esperar que outros se animem a rebatê-lo. É óbvio que em termos comerciais é muito interessante, o jornal conseguiu “audiência” pelo texto polêmico inicial e audiência pelo debate que só impulsionou mais o texto polêmico com erros crassos.
A mídia tradicional está em frangalhos, não sei qual é o futuro do jornalismo e insisto que não podemos nos fechar em nossas bolhas, mas se os poucos meios oficiais de comunicação optarem por abrir espaço para a legitimação de mentiras, chegaremos em um ponto sem volta em que nada mais é certo e em que a terra plana passa a ser algo a se pensar.