Mas mesmo com tudo isso acontecendo, o que me pegou de jeito para escrever aqui hoje não foi um acontecimento escolar, embora seja algo que esteja repercutindo aqui dentro justamente nos pensamentos sobre o chão de escola: foi um livro, ou melhor, o grupo de discussão de um livro que aconteceu no último sábado.
“
Alvorada em Almagesto”, da argentina
Teresa P. Mira de Echeverría, lançado pela
Editora Monomito, é uma obra de
new weird (se você não sabe o que é isso,
leia este texto do Arthur Marchetto; se você sabe, leia também) que se passa em um planeta plano e retangular, Almagesto. Nele, acompanhamos a trajetória de Alastair Weller, um humano de QI altíssimo e gênio da matemática, que trabalha como carcereiro de uma alienígena que foi sequestrada de outro lugar, ainda em seu estado larvário, e “inserida” no corpo revivido de uma pessoa qualquer, sobrevivendo às custas de aparelhos e máquinas de suporte à vida. Essa alienígena, assim como os outros quatro de sua espécie no planeta, tem a capacidade de mover estrelas, de forma que os cinco se alternam na movimentação cada um de um sol diferente sobre Almagesto, onde, dessa forma, nunca anoitece.
Uma trama, digamos, não muito convencional. E que aparentemente nada tem a ver com a escola, você deve estar pensando.
Vamos lá então tentar descrever o movimento que meu cérebro fez para construir essa ponte.
Logo no começo do livro, há uma metáfora que exploramos bastante na discussão de sábado: os alienígenas em corpos frágeis e putrefatos seriam como elefantes presos a uma corrente. Acostumados a ela desde pequenos, crescem acreditando que não podem rompê-la, sem nunca conhecer o fato de que sua força é mais do que suficiente para fazerem-se livres. A autora, doutora em Filosofia e em Astrofísica e adepta do pensamento - e dos movimentos - queer e decolonial, estaria fazendo uma referência justamente ao colonialismo, simbolizado pela corrente e pela construção de uma humanidade mesquinha e opressora que escraviza uma outra espécie.
Pelo menos foi assim que interpretamos no grupo de discussão.
Essa ideia não me saiu da cabeça desde então. E encontrou morada junto a um questionamento que, enquanto professor, faço e refaço o tempo inteiro: que papel exerço dentro da escola?
Sou um elo da corrente que aprisiona estudantes-elefantes-alienígenas, confinados na escola-prisão-cadáver-putrefato?
Ajo confirmando o projeto colonial e reproduzindo discursos e práticas castradoras e que submetem a existência infantil-periférica a uma ordem opressora?
Ou é possível construir no chão de escola, junto com as turmas e a partir da força e dos desejos delas, martelos que possam ser usados como ferramentas para quebrar a corrente?
Não tenho respostas para esse questionamento, embora tenha desejos de ser martelo e evidências de ser corrente. E passei a semana inteira olhando para a minha presença na escola sob essa perspectiva, às vezes binária e às vezes dialética, dependendo do dia, da hora e de se eu consegui dormir mais do que 6h e/ou tomar café da manhã.
Agora trago ela aqui para você, que me lê. E termino sem concluir nada.
Não sou grande fã de certezas.