Jennifer estava atrasada. O semáforo piscava em amarelo, e a placa ao lado orientava:
ENTRE COM CUIDADO NO AMARELO PISCANTE
Ignorou o aviso e, assim que passou por baixo dele, viu seu carro ser completamente tomado por uma luz amarela intermitente. A cada intervalo, o mundo lá fora parecia diferente, às vezes pouco, às vezes muito, até que aquela experiência súbita e insólita parou.
Jennifer olhou pela janela e precisou esfregar os olhos para acreditar: exatamente no lugar do shopping, havia uma aldeia. Ocas grandes e pequenas, pessoas andando para lá e para cá carregando vasos de cerâmica, cestos com grãos, artefatos que ela não soube dizer se eram armas ou instrumentos musicais.
Ouviu um barulho na lateral do carro e se virou para ver o que era. Encontrou um curumim entre o curioso e o perplexo examinando o veículo. Não parecia tê-la visto. Jennifer tentou se esconder, receosa do que o garoto faria caso visse que aquele objeto estranho e metálico tinha um ser humano dentro, mas não foi rápida o suficiente.
O jovenzinho gritou.
De repente, uma ruma de adultos olhou em direção ao carro, viu a criança agitada e correu. Jennifer girou a chave na ignição, o volante para a direita e acelerou. Em menos de duzentos metros viu a luz amarela retornar e o mundo lá fora piscar entre cenários que pareciam tirados de todo tipo de filme. Quando o amarelão cedeu novamente, Jennifer precisou frear: estava à beira de um precipício.
Saiu do carro e não havia ninguém ao redor. Olhou para o abismo e percebeu as ruínas de uma antiga ponte, um bom pedaço faltando, impossibilitando completamente a travessia. Sentiu a garganta arder e percebeu um colorido estranho no céu, entre o laranja e o marrom. Atrás de si, não era possível ver muita coisa, o ar carregado como uma neblina suja.
De dentro dela, Jennifer viu sair uma mulher, mais velha que ela, vestindo um traje branco acinzentado, sujo, e usando uma máscara de gás. A aparição fez com que congelasse. Tentou dizer oi com um aceno, mas não obteve resposta. Fitaram-se por alguns segundos, até que Jennifer começou a caminhar de volta em direção ao carro, a garganta cada vez pior, os pulmões parecendo pegar fogo. A mulher mascarada imitou seus passos, em um tipo de dança mímica assustadora. Jennifer correu, e foi perseguida. Entrou no carro e rapidamente engatou a ré, sem se importar com a possibilidade de atropelamento de sua perseguidora — que, por centímetros, não aconteceu.
Da ré engatou um semi cavalo-de-pau e acelerou, se distanciando do abismo, em direção à neblina. Viu passar ao seu lado dezenas de prédios destruídos, corpos por todos os lados, e antes que pudesse entender o que era aquilo tudo o amarelo piscou novamente. Outra vez a sequência de cenários, como se fossem slides em um daqueles aparelhos retroprojetores que vira uma vez no museu, até que um se estabilizou e Jennifer se viu em uma rua muito parecida com a que estava quando aquilo tudo começou. Diminuiu a velocidade e foi observando a paisagem. Definitivamente era a mesma rua do início, mas algumas coisas estavam diferentes. As casas pareciam mais novas e os carros na rua mais velhos, os prédios tinham sumido, alguns comércios eram outros. Dirigiu até onde sabia que estaria o shopping e no lugar encontrou um cinema, que seu cérebro rapidamente lembrou ser o mesmo que o avô tanto falava quando ela era criança.
Parou o carro em frente à antiga construção, que parecia nova. Olhou o relógio: apenas cinco minutos tinham se passado. Foram como séculos. Desceu do carro e olhou para trás, procurando o semáforo e a placa. Não estavam lá. Decididamente era a sua cidade, a mesma rua, quase todas as mesmas construções, mas era como se estivesse em outra década, ou em outra… dimensão?
Confusa, Jennifer entrou de novo no carro e apoiou as duas mãos no volante. Por um instante, cogitou estar sonhando. Mas tudo parecia real demais, a garganta ainda arranhando. Não sabia bem o que fazer.
A escuridão do lado de fora e a ausência de pessoas na rua davam a entender que, onde quer que estivesse, era madrugada. Pensou nas possibilidades e decidiu voltar para casa, se é que ela estaria lá. Deu a partida, girou o volante para a esquerda e pegou a rua na contramão mesmo, nenhum carro à frente.
No local exato onde deveriam estar o semáforo e a placa, o amarelo voltou. Envolveu o carro como das outras vezes e trouxe de volta a sequência de paisagens. Jennifer começou a indagar se estaria presa para sempre naquela luz, naquele sonho bizarramente real que durava uma eternidade e ao mesmo tempo não tinha mais do que dez minutos. Baixou a cabeça na direção, os olhos fechados, na tentativa de não ver mais nada, amarelo, paisagens, seu próprio reflexo no retrovisor.
Quando ergueu a cabeça de novo, o amarelo tinha parado.
Lá fora, a rua era a mesma que conhecia, a rua do shopping e do dentista para o qual estava atrasada.
Uma sensação de alívio tomou seu peito por alguns míseros segundos — o tempo necessário para Jennifer lembrar que estava na contramão. Vindo em sua direção, um caminhão que não deveria circular por uma rua estreita como aquela buzinava com toda força.
Jennifer desviou para o lado e, em um movimento de filme, estacionou perfeitamente entre dois carros parados no sentido contrário. Ofegante, o corpo rígido como um bloco de gelo, controlou a respiração até conseguir parar de arfar. Olhou para fora do carro e tudo estava de volta no lugar, as casas, os prédios, a rua, o semáforo — que agora não piscava mais.
Como um aviso de que tudo voltara ao normal, seu dente molar inferior direito voltou a doer. Jennifer lembrou de por que tinha saído de casa em desabalada carreira e levou a mão direita ao maxilar. Abriu a porta do carro e percebeu que havia estacionado exatamente embaixo da placa que pedia cuidado no amarelo piscante.
Deu dois passos para trás para conseguir lê-la e só então notou, logo abaixo, uma outra placa, menor.
Em letras maiúsculas brancas sobre fundo vermelho, era possível ler o complemento à placa principal:
RISCO DE VIAGEM NO TEMPO