Talvez eu esteja enganado, mas eu acho que eu perdi esse Nokia. Esqueci em algum lugar e nunca mais o vi. E tomei um esporro do tamanho da minha cara de cu quando contei para a minha mãe.
Desde então os celulares foram evoluindo, avançando, e a presença dos aparelhos móveis na vida cotidiana se tornou imensa, indispensável.
Na escola era comum o envio de músicas pelo bluetooth. Quem tinha o famoso Motorola V3 era rei. Eu tive um Sony Ericsson Walkman que não tinha bluetooth, só infravermelho, então fui renegado no tráfico de músicas e vídeos engraçados.
Tive também um LG Chocolate.
Tive um glorioso Nokia e71, um celular com teclado completo. Foi um momento de transformação na minha relação com os celulares, porque foi no Nokia e71 que eu usei o WhatsApp pela primeira vez - como um velho amigo me lembrou, e ele também tinha o Nokia e71 e só nós dois usávamos o WhatsApp na época. Se foi um avanço tecnológico nas comunicações, não foi sem ônus.
Era normal ter uma música específica para o toque de chamada, um toque para sms, um toque para WhatsApp. Não recebíamos tantas notificações assim.
Usei a internet do Nokia e71 várias vezes para passar nas provas de Física.
Depois do Nokia e71 tive um outro celular da LG, depois um iPhone, depois um Motorola, que foi roubado, depois outro Motorola igual, depois um Xiaomi e agora outro Xiaomi.
É muito possível que nesse meio tempo eu tenha tido outros aparelhos, mas não por períodos significativos.
Fato é que depois do Nokia e71 eu não lembro mais de ter uma música como toque para chamadas. Todos os meus celulares passaram a ficar no silencioso. As notificações, com a popularização do WhatsApp, explodiram. Aí veio o facebook mobile, twitter mobile, tudo mobile, e agora tudo está disponível no celular e a cada instante chegam notificações do iFood, da Rappi, do MercadoLivre, do e-mail, do facebook, do twitter, do aplicativo da academia, do duolingo, do instagram, do Medium, sms de golpe, informação de fatura fechada, TikTok, LinkedIn, Teams, etc, etc, etc.
A mera ideia de manter o celular com algum toque para notificação me deixa maluco. Avancei do Silencioso para o Não perturbe. Meu celular não vibra mais a cada notificação, só em caso de ligação. A tela não acende.
Faz uns cinco, seis anos que o modo Não perturbe está ativado ininterruptamente nos meus aparelhos.
No entanto, já fui sugado definitivamente por esse hiper-estímulo da contemporaneidade e não consigo deixar de olhar o celular a todo instante, verificando se alguma notificação chegou, se tem alguma coisa acontecendo, se eu estou perdendo alguma informação.
Meu despertador não é mais uma música, é um toque padrão do celular.
Não tenho nenhum joguinho no celular, que, sem dúvida, é muito mais poderoso, em termos de hardware, do que o computador que eu usava lá em 2005.
Minha sobrinha de oito anos tem um celular. A mais nova também. O pasmo de ver uma tecnologia tão inovadora é passado.
Meu celular contém meu treino da academia, acesso aos bancos, milhares de informações pessoais. Sky diver é só uma memória afetiva.
Assim como o piso vermelho da garagem da casa do meu pai.
Um bando de lembranças escondidas por trás do Não perturbe, que tenta cumprir sua função, mas não consegue, vencido pela minha ansiedade.